sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A vida e a morte

Abri meus olhos e espiei em volta. Onde eu estava? – tateava a cama, em conformidade, periodicamente. Olhei ao redor e notei rostos novos. Semblantes felizes, mas o meu estava intrépido com a tristeza.
Eu sabia muito bem o porquê estava ali e até pedi, desejei e almejei aquele grande dia. Mas parte de mim queria o contentamento em ser normal, em ser feliz com a família, por mais turbulência que pudéssemos passar. Só que não ao ápice que se tornara.

Quando era mais nova, desejei desesperadamente um filho. Tive dificuldades para engravidar devido ao cisto no útero. Como antigamente, era complicado para fazer cirurgias, tive que esperar quase dez anos da minha vida para tê-lo. Aos 37 anos de idade, consegui engravidar.
Meu filho era lindo. Os olhos azuis, branquinho, com os cabelos negros e lisos. Saudável e super animado. Ele sempre foi amável, doce e companheiro.
Casou-se cedo, aos 20 anos. E, por não ter marido e nem outros filhos, a família entrou num consenso para que eu fosse morar com eles. Mesmo achando que invadiria a privacidade deles, aceitei. Porque um ano anterior descobri que estava com câncer nos ossos e não tinha forças para fazer nada e tudo aquilo me partia o coração.
Sempre cuidei do meu filho com a minha maior força, minha maior gratidão. Pois ele foi a única coisa que mais almejei na vida e a mais difícil que conquistei.
Eu sempre olhava fundo em seus olhos e dizia: “Você é a maior dádiva que recebi”. Ele, desde pequeno, retribuía dizendo: “Quando eu não estou com você, é como se eu não estivesse comigo, mãe. Você é tudo que eu tenho e zelarei de você até minha morte”.
Aquelas palavras petrificavam-se em meu peito e lágrimas transpareciam em minha face, de tanto contentamento.

Passados 10 anos, o câncer alastrou-se, já não o tenho somente em meus ossos, mas por todo o meu corpo.
Frank, que tanto dizia me amar, batia em mim todos os dias, quando via sua filhinha dando comida em minha boca. Já que não tinha forças para elevar os braços. Sua mulher implicava com ele todas as noites e eu, no meu quarto, ouvia tudo em silêncio. As lágrimas rojavam e nada podia fazer. Eu era uma imprestável e a única pessoa que eu sabia que me amava de verdade era minha netinha. Ela lia histórias para eu dormir, mesmo tendo dificuldade na leitura – por ser nova demais; fazia carinho em meu cabelo, enquanto eu pegava no sono; cantava algumas músicas infantis e eu ensinava as que ainda lembrava. Ela é pra mim, a filha que não tive. O filho que sonhei durante minha vida. Mas o meu, aquele verdadeiro, de sangue, transformou-se num crápula.
Hoje tenho as marcas das surras, dos socos. Meu corpo não ficará mais com a cor natural, as partes roxas são constantes e jamais voltarão ao normal. Meus olhos ficaram fundos, de tanto apanhar dele e da sua mulher.
Tenho dó da minha neta, a única certa naquela família. Tenho medo do que eles possam fazer com ela, já que a coitada apanhava todos os dias que eles a viam dando atenção pra mim.
Estava cansada de tudo aquilo. Então resolvi fugir. Peguei um papel e deixei um bilhete para a minha amada neta - quase filha. Quando anoiteceu, peguei uma pequena mala, já que não conseguia carregar peso e fugi.
Peguei um táxi e cheguei no retiro. Estava cansada, fadigada.

Hoje percebo que por mais que eu quisesse procurar as respostas para todas as perguntas, ela estaria dentro de mim. Eu criei o filho que o amava mais que tudo, mas ele foi o causador da minha morte.
Falta pouco para isso acontecer, mas foi por ele que dediquei a minha vida e por causa dele que estou à beira da morte.

Por Natalia Araújo, do Blog: Revelando Sentimentos

3 comentários:

  1. ótimo texto... aqueles maduros, q conseguem caminhar no limiar preciso entre técnica e inspiração..

    *ponto p vc, chica..


    besos.

    ResponderExcluir
  2. Nossa Naty, que texto forte.
    A intensidade das suas palavras, cada cena e emoção que preencheu as personagens fizeram-se tangíveis em demasia - pulsante.
    Sinto-me admirada diante de palavras com tamanho sentimentos, que cintilam a beleza. Ainda que uma beleza triste.
    Grande beijo!

    ResponderExcluir
  3. Cara não é babacão você escreve demais nath Noossa fico honrada em dividir um blog com uma Escritora de mão cheia USHUASH' ESPERO que um dia seus textos sejam conhecidos pelo mundo todo ...torço por vc;

    ResponderExcluir

Obrigada por estar comentando, volte sempre ;*